sábado, 31 de outubro de 2009

O Hospital Real de Todos os Santos. (Cidade de Lisboa)

O Hospital Real de Todos os Santos foi o hospital mais importante de Lisboa durante os séculos XVI, XVII e XVIII. Foi construído entre 1492 e 1504 e não resistiu ao Terramoto de 1755 que destruiu Lisboa.
O Rei D. João II, com a autorização papal de Sisto IV, mandou construir um hospital central para a cidade de Lisboa, numa tentativa de concentrar cuidados de saúde, assistência e caridade, à semelhança dos hospitais construídos em Coimbra (1508), Évora (1515) e Braga (1520). 
Hospital Real de Todos os Santos, antes do fatídico terramoto de 01-11-1755
Vista do Rossio, com destaque para o Hospital Real de Todos os Santos, antes do terramoto de 01-11-1755. Em segundo plano, o castelo de Lisboa. Água-tinta de 1787. Colecção Celestino da Costa, in Palácio das Galveias
O Hospital encontrava-se na zona da actual Praça da Figueira, estando a fachada e entrada principal voltados para o Rossio. O edifício de três pisos tinha uma fachada principal, de cerca de 100 metros, com arcadas, e a meio encontrava-se a Igreja do hospital, à qual se acedia por uma escadaria monumental. A entrada da Igreja, pelo que se pode ver das gravuras da época, era um magnífico exemplar do estilo Manuelino, estilo típico do reinado de D. Manuel I.
O hospital tinha três pisos. No piso inferior encontravam-se quarenta camas para ambos os sexos e vários anexos do hospital, como o refeitório, forno, cozinha, secretaria e farmácia. As crianças abandonadas (os expostos) e os doentes mentais encontravam-se neste piso.
Os funcionários do hospital encontravam-se alojados no piso térreo, enquanto que no primeiro andar encontravam-se as enfermarias (S. Vicente, Santa Clara e S. Cosme), que tinham acesso ao altar-mor da Igreja do hospital, permitindo aos doentes acompanhar os ritos religiosos.
O hospital tinha também um vasto logradouro, claustros e um cemitério privativo.
Os doentes eram separados em função do sexo e da patologia. Havia um serviço de urgência e uma secção privada para os doentes nobres. Para além das enfermarias, existiam também a casa das boubas; uma divisão isolada para os doentes com
sífilis, que nessa altura era considerada como um castigo para os pecadores; e a casa dos doidos, onde eram tratadas as pessoas com perturbações mentais.
O hospital foi concebido, inicialmente, para albergar 250 doentes. Já no século XVI o hospital tratava cerca de três mil doentes ao ano. Mesmo com os vários incêndios que deflagraram nos hospital, este foi sendo sucessivamente ampliado e em meados do século XVIII já existiam cerca de doze enfermarias.
O hospital era gerido por um provedor da confiança do Rei, até 1530, data em que a gerência passou para os padres da Congregação de S. João Evangelista. Só a partir de 1564 é que o estabelecimento passou para a responsabilidade da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
O hospital foi destruído não só pelo terramoto de 1755, mas também pelo incêndio que se seguiu. Sobreviveram algumas partes do hospital, como se pode comprovar pelas escavações arqueológicas de 1960, na baixa. Os doentes do terramoto foram alojados em tendas, no Rossio, palácios e conventos que não foram afectados pela catástrofe. Houve um grande esforço para a reconstrução do hospital, ainda que a título provisório, para voltar a tratar dos doentes.
O hospital, contudo, não foi reconstruído na sua totalidade, provavelmente por falta de verbas, numa altura de grande esforço financeiro. O hospital foi então transferido para o Colégio de Santo Antão, edifício confiscado a uma ordem jesuíta, em 1759.
O novo hospital foi denominado de Hospital de São José, em honra ao Rei D. José I.
Agora, no local do antigo hospital, existe a
Praça da Figueira.
Imagem de grande dimensão e beleza. Clique para ampliar. Cliché de autor desconhecido
Fontes parciais e imagens:
- AHML
- ANTT
- CML
- Wikipédia
- BN
- Autor desconhecido

Antiga Igreja da Nossa Sra. da Luz. (Aldeia da Luz)

Já aqui dedicamos um "post" a infelizmente já extinta "antiga Aldeia da Luz", neste pequeno texto vamos centrar-nos em específico na antiga Igreja Nossa Sra. da Luz, a Igreja Matriz.
A formação da aldeia da Luz é posterior à criação da igreja que remonta ao século XV e está associada à lenda da aparição de Nossa Senhora.Esta foto em cima é a Igreja Matriz da Aldeia da Luz velha (atrás dela está o Cemitério). Conta-se que Nossa Senhora da Luz aparecera em cima do tronco de uma azinheira, no mesmo lugar onde está (ou melhor... estava) o altar-mor da antiga Igreja.

«Torre Sineira da velha Igreja»

«O Cemitério... tal como o actual situava-se muito perto da Igreja»

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A Ponte de Abreiro.

Uma imagem de grande importância: A antiga Ponte de Abreiro.
Visto que a sua destruição, devido a uma cheia, ocorreu em 1909, podemos afirmar que esta fotografia tem mais de 100 anos, ou seja é anterior a essa data.
Fotografia de grande dimensão. Clique para ampliar e observar melhor
A montante da actual ponte sobre o rio Tua, que liga Abreiro a Vila Flor, podem observar-se as ruínas de uma ponte de grande dimensão, não só em comprimento mas também em altura, que seria constituída por um tabuleiro horizontal ou de cavalete assente sobre três arcos que desapareceram.

Antiga Ponte de Abreiro. Notamos sem dificuldade as bases dos pilares da antiga Ponte, bem como as ruínas do caminho que, vindo de Abreiro, a ela conduziam.
Subsistem as ruínas dos encontros nas duas margens, bem como dos dois pegões reforçados por contrafortes com talhantes e talha-mares triangulares. O aparelho é de silhares de granito siglados de pequena dimensão. Na base dos arcos observam-se dois níveis de séries de buracos para apoio dos agulheiros. Do lado de Abreiro conservam-se longos troços de calçada do antigo caminho que ligava Abreiro à ponte. À beira desse caminho, já muito próximo da ponte actual, existem ruínas de duas casas.

Existe uma lenda em redor desta ponte, segundo a qual refere a bondade e a autoridade que Manuel Machado de Araújo gozava em Abreiro. Este homem dava trabalho aos habitantes da freguesia e fazia-se obedecer. O povo, por sua vez, não habituado a trabalhar tanto, dizia: "Este Homem é o Diabo. / Faz tudo que quer". Daí a reconstrução da ponte ser conhecida como a Ponte do Diabo.
Acontece que a cheia de 1909 levou o arco da ponte que assombrava pela sua enorme altura, abertura e escabrosidade. Ninguém imaginava que ela pudesse cair, daí que o povo, admirado, continuou dizendo: "O Diabo a fez. / O Diabo a levou".

 
Cronologia da Ponte de Abreiro
 
Época de construção - Idade Média

1696 — Os moradores da aldeia de Rebordãos foram escusos de participar nas obras da ponte.
1734 — Obras na ponte patrocinadas por Manuel Machado de Araújo, fidalgo cavaleiro da Casa Real.
1909 — As grandes cheias deste ano arruinaram definitivamente a ponte.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

A Antiga Ponte Vale da Ursa sobre o Rio Zêzere.

Na imagem em baixo temos a antiga ponte (metálica) e a "nova" construida para a substituir assim que fosse terminada a barragem que elevaria o nível do Rio!!!
A ponte Vale da Ursa fica localizada em Vale da Ursa, perto da localidade de Dornes. Esta ponte atravessa a albufeira de Castelo do Bode e foi construída para substituir uma ponte antiga que ficou submersa aquando do enchimento da albufeira.
A ponte "nova" foi construída entre 1949 e 1951 para depois ser aberta ao publico e consequentemente a ponte antiga ser encerrada. Tem 276 metros de plataforma, com uma altura máxima de pilares de 50 metros e apresenta uma solução de tabuleiro em laje vigada com duas vigas longitudinais.
«Esta foto tem a ponte antiga em primeiro plano e a ponte Vale da Ursa em construção no segundo plano. De notar que hoje em dia a ponte antiga está submersa debaixo da albufeira e existem relatos de pessoas que a atravessaram quando a albufeira atingiu mínimos de altura de água.»
Clique na imagem para a aumentar

A Ponte sobre a Ribeira Grande.

A Ponte sobre a Ribeira Grande na década de 40. Como muitas outras, esta ponte encontra-se actualmente submersa, sendo impossível de contemplar nos dias de hoje. Restam-nos as imagens e memórias de outros tempos...

A mesma Ponte (em baixo) durante uma cheia de Inverno, em 1947.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

A Primitiva Gare de S. Bento - Chegada do 1.º Comboio.

Quando foi inaugurada a actual Estação de comboios de S. Bento no coração do Porto, esta tinha um aspecto bem diferente e inferior ao actual. Na imagem de baixo. podemos vêr a primitiva Gare a receber o 1.º comboio que chegou a então novíssima Estação em 7 de Novembro de 1896.
Imagem de grande dimensão. Clique para ampliar
Note-se á esquerda a Igreja do convento de S. Bento de Avé-Maria ainda de pé, tendo o Mosteiro já sido demolido nesta altura.
Clique nesta imagem para a ampliar
Outra vista da primitiva Gare, obtida de outro ângulo (provavelmente do lado da actual rua do Loureiro). Nesta imagem vemos a igreja dos Congregados em segundo plano.
Vista parcial da cidade do Porto, obtida a partir da Torre dos Clérigos, circa 1902
É visível: A gare provisória de S. Bento (a estação ainda não havia sido edificada) a igreja dos Congregados e a igreja de Santo Ildefonso no término da Rua de Santo António/31 de Janeiro

O Estádio das Antas. (Futebol Clube do Porto)

O Estádio do Futebol Clube do Porto, mais conhecido como Estádio das Antas, foi, como o nome indica, o estádio do Futebol Clube do Porto durante 52 anos
Foi substituído pelo Estádio do Dragão, inaugurado em 2003.
Imagens do Estádio em 1950, ainda estava em construção nesse ano. 
Clique na imagem para a ampliar
O Estádio em 1950... Na fotografia de cima podemos ver, na esquerda e um pouco atrás do Estádio, a actual Praça Sá Carneiro (antiga Praça de Velasquez) ainda desprovida de arvoredo e dos edifícios de apartamentos que a cercam.
Foi numa Assembleia Geral em 1933 que surgiu a proposta de construção de um novo estádio, já que o Campo da Constituição começava a revelar-se pequeno para o FC Porto. A proposta foi aprovada por unanimidade, mas só em 1937 começaram a ser tomadas medidas no sentido de concretizar o objectivo, com a criação de um empréstimo obrigacionista. Dez anos depois foi comprada uma área de 48.000 metros quadrados na zona das Antas, na parte leste da cidade do Porto. A primeira pedra foi lançada em acto simbólico em Dezembro de 1949, tendo a obra começado cerca de um mês depois.
Inauguração do Estádio em 1952
Clique nas imagens para as ampliar
Dois ângulos do mesmo evento...
José Bacelar, sócio nº1 do FC Porto na altura, pagou o salário do primeiro dia de trabalho a todos os operários. A solidariedade da população da cidade e da região para com o FC Porto ficou também marcada por dois cortejos de materiais, em que dezenas de camionetas, autocarros e furgonetas seguiram em cortejo para o estádio levando material de construção.

Ao longo do processo foi necessário comprar terrenos adjacentes aos originais, pois concluiu-se que 48.000 metros quadrados não seriam suficientes para o complexo desportivo que o FC Porto pretendia construir. Comprados os referidos terrenos, a área total ascendeu aos 63.220 metros quadrados. A capacidade original do estádio era de 44.000 espectadores, distribuídos por três bancadas - duas superiores e uma lateral. O lado leste do campo não tinha bancada, sendo chamado de Porta da Maratona.
No dia 28 de Maio de 1952 o Estádio do Futebol Clube do Porto foi inaugurado numa cerimónia pomposa que contou com a presença do General Craveiro Lopes, então presidente de Portugal. Urgel Horta presidia ao FC Porto na altura.
Uma magnifica imagem colorida! Uma vista aérea do (então novo) Estádio das Antas e zona envolvente. Vale a pena aumentar a imagem (clicando na mesma) para observar com mais pormenor.
Nesta  imagem (a preto e branco), temos uma vista aérea do Estádio do Futebol Clube do Porto concluído em 1952, na zona das Antas. Já é visível também o campo de treinos.
Vista aérea do Estádio das Antas, vendo-se também os edificios circundantes e a igreja paroquial das Antas. No canto inferior direito, vemos a casa da Quinta de Salgueiros
Melhoramentos posteriores.
-1960 - inauguração da pista de ciclismo
-1962 - inauguração da iluminação artificial
-1976 - fecho da Porta da Maratona, ou seja, construção de uma bancada ao longo da lateral leste do campo, acrescida de um segundo anel - a arquibancada, que aumentou a capacidade do estádio para 65.000 lugares. estando apenas 30% da bancada encadeirada.
-16.12.1986 - a capacidade do estádio aumentou para 95.000 lugares! rebaixamento do campo - a bancada avança na direcção do campo, substituindo a pista de ciclismo e atletismo.
na década seguinte o estádio foi sendo gradualmente encadeirado - terminado o procedimento, a capacidade do estádio diminuiu para cerca de 55.000 lugares


Estádio das Antas. Uma vista aérea, do lado oposto, mas numa fotografia que se presume ser já dos inícios dos anos 80 (após vários melhoramentos do campo). Cliquem para a ampliar e apreciarem pormenores.
Uma imagem alguns anos mais antiga que a anterior. Uma vista aérea do já desaparecido Estádio das Antas (Futebol Clube do Porto) numa perspectiva "lateral", obtida da zona do Monte Aventino em direcção a Contumil (cujos blocos do bairro se encontravam em edificação). Vemos também, entre outros pormenores locais, o campo de treinos, os pavilhões das piscinas e imediatamente após o estádio principal, vislumbramos o telhado do solar da Quinta de Salgueiros, actualmente reduzido a ruínas, das quais em breve nada restará...
Imagem já recente do extinto Estádio das Antas, quando esta fotografia foi tirada vê-se já claramente, a Via de Cintura Interna (VCI) que foi construída na década de 90

Fontes e imagens:
- Arquivos do FCP
- AMP
- BPI (digitalização)
- Autores desconhecidos

A Fábrica de Louça de Miragaia.


Foi a fábrica fundada em 1775 por João da Rocha, um comerciante português regressado da Baía onde terá feito fortuna e pelo seu sobrinho João Bento da Rocha, naturais de Sabadim, Arcos de Valdevez, tendo como director o Mestre Sebastião Lopes Gavicho.
Sucessivas gerações da mesma família dirigiram a unidade industrial, ficando conhecidos entre os portuenses como os «Rocha de Miragaia». A fábrica atravessou diversos períodos, tendo apenas deixado de laborar durante as invasões francesas (1808-1810) e a guerra civil (1833-1836).
Situava-se na Rua da Esperança, junto à igreja de S. Pedro de Miragaia e esteve em laboração durante um total de 77 anos, encerrando definitivamente em 1852.

O Real Coliseu Portuense. (1889-1895)

Clique nas imagens para as ampliar
O Rheal Coliseu Portuense

Foi inaugurado a 28 de Junho de 1889 e teve uma duração extremamente curta sendo demolido logo em Maio de 1895.
Situava-se junto à Rotunda da Boavista, nos terrenos hoje em dia ocupados pelo Tabernáculo Baptista e pela adjacente Litografia.
Rheal Coliseu Portuense - Interior
Bancada do Rheal Coliseu Portuense
Balão de ar quente no Rheal Coliseu Portuense*
*Obs. Embora este cliché esteja assim identificado em fonte oficial, suscita-nos algumas dúvidas sobre o local, assemelhando-se o mesmo à extinta Praça de Touros existente então na Rua da Alegria. Fica aqui a dúvida em aberto...

Imagem:
- Phot.ª Guedes
- AMP

O Mercado do Anjo. (Cidade do Porto)

A torre dos Clérigos, com o desaparecido mercado do Anjo...
(Imagens de grande dimensão e beleza, clique para as ampliar)
 
Mercado do Anjo: Uma imagem do seu auge (cima) e da sua decadência (baixo)
Vista aérea da Torre dos Clérigos e zona envolvente. No canto inferior esquerdo da imagem, temos uma vista parcial do extinto Mercado do Anjo
Mercado do Anjo visto da Torre dos Clérigos
Torre dos Clérigos, vista do Campo dos Mártires da Pátria. Do lado esquerdo vê-se parte do extinto mercado do Anjo e de frente para o fotógrafo um grupo de homens e uma peixeira. Cliché da Phot.ª Guedes
Torre dos Clérigos, vendo-se parcialmente o Mercado do Anjo
 Cliché da Foto-Beleza
"O Mercado do Anjo"
Mercado do Anjo. Entrada principal
Este mercado funcionou até meados do século passado na agora designada Praça de Lisboa
 Aspectos interiores do extinto mercado...
Zona central...
Chafariz do Mercado do Anjo em 1908
Vendedeiras de castanhas, junto ao Mercado do Anjo, em frente da Torre dos Clérigos em 1912
Torre dos Clérigos e vista parcial do Mercado do Anjo
Mercado do Anjo 
Entrada pela Rua das Carmelitas ao chegar à "Praça dos Leões"
A extinção do antigo Mercado do Anjo, com o derrube das barracas, em 1948
Demolições
Mercado do Anjo - Demolições em 1948
Ruínas do Mercado do Anjo...
Dois ângulos das ruínas do antigo mercado
Um Sítio Que Nasceu De Uma Curiosa Lenda
A História Lendária De Um Local
Faz pena ver o estado de abandono a que chegou o espaço onde, ainda nos idos de cinquenta, nos nossos dias, portanto, funcionou o antigo Mercado do Anjo. Embora situado em pleno centro da cidade, mesmo à sombra desse ex--líbris portuense que é a Torre dos Clérigos, aquele sítio atingiu um tal estado de degradação que, nos tempos que atravessamos, as pessoas evitam passar por lá… mesmo de dia.
E, no entanto, foi um dos mais buliçosos sítios da cidade, verdadeiro caudal de bizarrias, formigueiro de vidas a par com a estridente algazarra cantante dos pregões.
Em Janeiro de 1838, a Câmara do Porto, presidida por Luciano Simões de Carvalho, no relatório que elaborou para a edilidade que, a seguir, iria administrar a cidade, escreveu o seguinte "… o Mercado do Anjo, no estado em que vo- -lo deixamos, não deve ter dificuldade de concluir-se até ao fim do corrente mês…
"E acrescentou mais isto "… a sua abertura, que não pudemos conseguir em nossa administração, fica reservada para glória vossa …" Simpático, sem dúvida.
Mas havia também algumas recomendações "… seja um dos vossos primeiros cuidados, a compra e demolição das duas moradas de casas isoladas defronte da Torre dos Clérigos e a colocação de toda a gradaria pelos lados da Rua das Carmelitas e da Fonte…"
A fonte a que se alude atrás, estava na parte do mercado voltada para a igreja dos Clérigos.
A rua ainda não tinha a designação actual Rua de S. Filipe de Nery, em alusão ao patrono da congregação que se instalou naquele templo: Irmandade de Nossa Senhora da Misericórdia, S. Pedro ad vincula e S. Filipe de Nery, do Socorro dos Clérigos Pobres da Cidade do Porto.
Em tempos muito recuados, a actual Rua de S. Filipe de Nery, que em 1864 se denominava, somente, Rua de S. Filipe, era um simples caminho que corria ao longo de um terreno conhecido pelo Adro Antigo dos Pobres ou Adro dos Enforcados por ser ali que se enterravam os facínoras que morriam na forca e os presos que faleciam nas celas da cadeia da Relação. Foi neste terreno que se construíram, nos meados do século XVIII, a igreja e a Torre dos Clérigos.
Quanto à Rua das Carmelitas, sabe-se, pela leitura do relatório camarário atrás citado, que a Câmara do Porto solicitara, naquele mesmo ano (1838) autorização à rainha - era a D. Maria I - para proceder ao seu alinhamento. Isto significa, naturalmente, que a artéria sofreu algumas alterações. O que é verdade.
À época em foi solicitado referido alinhamento, a rua, bastante mais estreita do que é actualmente, subia em curva por entre duas altas paredes, uma das quais delimitava a cerca do Convento de S. José e Santa Teresa de Carmelitas Descalças.
Na petição que a edilidade enviou à rainha refere-se, concretamente, que o alinhamento era para se feito nomeadamente "…defronte do correio". Há para isto uma explicação depois da extinção, em 1834, das Ordens Religiosas, os edifícios dos antigos mosteiros, ou foram vendidos a particulares, em hasta pública, ou foram ocupados por serviços do Estado.
No Convento das Carmelitas que ficava ao cima da rua com esta designação e ocupava, praticamente, todo o quarteirão compreendido entra as actuais ruas das Carmelitas, Galeria de Paris, Santa Teresa e a Praça de Guilherme Gomes Fernandes, instalaram-se, após a saída das religiosas, várias repartições públicas, nomeadamente a estação central da Mala Posta que fazia a ligação entre Lisboa e o Porto; e a estação dos Correios e porque estes serviços eram os mais concorridos, foi pela sua designação que o edifício se tornou, também, mais conhecido.
O Mercado do Anjo, enquanto funcionou ao serviço da cidade, durante mais de um século, foi um dos sítios de maior movimento do Porto. Tudo o que é generoso de expressão popular assentou ali arraial. Ao redor do ressonante chafariz que ornamentava o centro do mercado, fazia-se a cerimónia da eleição da Rainha das Vendedeiras e respectiva damas de honor.
Tudo desapareceu. Um conjunto de circunstâncias de acaso urbanístico fez do recinto do antigo mercado um couto da marginalidade, uma lixeira, uma vergonha.
E até quando os edis portuenses irão permitir que esta chaga purulenta continue exposta à comiseração pública de quem por ali passa ?
Uma piedosa e ingénua lenda anda ligada à origem do nome que celebrizou este sítio. Consta que, em certa ocasião, passando D. Mafalda e D. Afonso Henriques, por aqui, a caminho de Guimarães, a esposa do monarca sofreu grave acidente. Em hora de aflição, o nosso primeiro rei terá prometido mandar construir uma capela em honra de S. Miguel-o-Anjo se a rainha saísse ilesa do trágico acontecimento. A prece foi escutada e a promessa cumprida. Na ermida havia uma imagem de Sebastião e na seta que trespassava o coração do santo protector contra a peste estava pendurada uma chave - a da porta da cidade que se abria ali perto na muralha fernandina. Fora ali colocada para que o padroeiro protegesse a cidade dos surtos da peste tão frequentes e mortíferos durante toda a Idade Média. Ao redor da capela de S. Miguel-o-Anjo instituiu-se, em 1672, o Recolhimento do Anjo destinado a acolher viúvas e meninas órfãs filhas de pais nobres. A sua actividade durou até à extinção das ordens religiosas. O edifício foi demolido em 1837 para dar lugar ao Mercado, que acabou também por tomar o nome do padroeiro da capela original.

Germano Silva
Texto publicado no Jornal de Notícias

Imagens:
- Alvão
- Aurélio da Paz dos Reis
- Phot.ª Guedes
- Foto-Beleza
- Arquivo Municipal do Porto
- BPI (digitalização)