Torre da Lagariça. Cliché de A. Cochofel em 1927
Já a abordamos, inúmeras vezes ao longo dos anos, na página do facebook, devido ao seu valor histórico e literário (por muito que tentem, é impossível excluí-la do Circuito Queiroziano) no entanto não sendo um item desaparecido, pois este imóvel ainda existe e resiste, nunca lhe dedicamos uma publicação neste espaço.
Por a acharmos mais que merecedora, tal será feito agora, englobando a mesma na nossa secção de "Retratos do Passado".
Torre da Lagariça - "A Illustre Casa de Ramires"
"A Illustre Casa de Ramires" no seu contexto real, fora do imaginário de Eça
Localizada na Freguesia de S. Cipriano, no Concelho de Resende, data da primeira metade do século XII a edificação da Torre da Lagariça, um sólido torreão militar de planta quadrada, que ficaria imortalizado na obra de Eça de Queiroz, "A Illustre Casa de Ramires".
O acesso a este imóvel pode ser feito pela E.N. 222 (ao km 95,5, e a 100 m, por caminho rural).
A fundação da torre teria como primeiro objectivo a defesa da linha do Douro na época da reconquista Cristã, servindo de torre de atalaia, mas a sua função militar perdeu significado com o estabelecimento das fronteiras mais a norte. Como tal, no século XVI a torre seria adquirida pela Brasonada família Pinto, senhores da Torre da Chã e do Paço de Covelas, e em 1610 voltaria a ser vendida, desta vez à família Cochofel, a qual é sua proprietária.
Deverá datar do início do século XVII a adaptação da torre medieval para habitação senhorial, sendo então edificado um corpo de planimetria em L em volta do núcleo original, integrando-o num dos extremos da casa. O corpo do solar divide-se por três registos distintos e as fachadas são marcadas pela disposição de portas e janelas, de molduras rectangulares, tendo sido construída uma varanda alpendrada no piso superior na fachada principal. A torre não foi alterada, mantendo a planimetria original e as feições das suas fachadas, que se destacam pelo reduzido número de fenestrações.
Actualmente está classificada como IIP (Imóvel de Interesse Público).
Torre da Lagariça em S. Cipriano, Resende
“A torre, antiquíssima, quadrada e negra, sobre os limoeiros do pomar que em redor cresceram, com uma pouca de hera num cunhal rachado, as fundas frestas gradeadas de ferro, as ameias e a miradoura bem cortadas no azul de Junho, robusta sobrevivência do Paço acastelado da falada Honra de Santa Ireneia solar dos Mendes Ramires desde os meados do século X."
Eça de Queirós c. 1882
“A sala de jantar da Torre, que abria por três portas envidraçadas para uma funda varanda alpendrada, conservava, do tempo do avô Damião … dois formosos panos de Arrás representando a «Expedição dos Argonautas». Louças da Índia e Japão, desirmanadas e preciosas, recheavam um imenso armário de mogno. E sobre o mármore dos aparadores rebrilhavam os restos, ainda ricos, das pratas famosas dos Ramires que o Bento constantemente areava e polia com amor… almoçava e jantava na varanda luminosa e fresca, bem esteirada, revestida até meio muro por finos azulejos do séc. XVIII, e oferecendo a um canto, para as preguiças do charuto, um profundo canapé de palhinha com almofadas de damasco.”
Torre da Lagariça em S. Cipriano, Resende. Vista geral da "Illustre Casa de Ramires"
“Por baixo da Torre (como lhe contara o papá) ainda negrejava a masmorra feudal, meio atulhada, mas com restos de correntes chumbadas aos pilares, e na abóbada a argola donde pendia o polé, e no lajedo os buracos em que se escorava o potro. E, nessa surda e húmida cova, ovençal, bufarinheiro, clérigos e mesmo burgueses de foro uivavam sob o açoite ou no torniquete, até largarem, agonizado, o derradeiro morabitino. Ah! A romântica torre, cantada tão meigamente ao luar pelo Videirinha, quantos tormentos abafara!...”
“E como o visconde aludia ao desejo, já nele antigo, de admirara de perto a famosa Torre, mais velha que Portugal – ambos desceram ao pomar. O visconde, com o guarda sol ao ombro, pasmou em silêncio para a Torre; reconheceu (apesar de liberal) o prestígio que resulta de uma tão alta linhagem como a dos Ramires…”
- In A Ilustre Casa de Ramires, Eça de Queiroz
Bibliografia e Fontes:
- "Roteiro dos Monumentos Militares Portugueses", Lisboa, 1948, ALMEIDA, João de
- DGPC
Imagens:
- A. Cochofel
- Autor desconhecido
- Emílio Biel
- BPI (digitalização)
- BPI (digitalização)
E assim se deixa degradar um património que fez história
ResponderEliminaralguém saberia informar como chegar até lá saindo de Lisboa?
ResponderEliminarFica em Resende
ResponderEliminarexcelente
ResponderEliminarTorre da Lagariça, solar dos Pinto / Fonseca, pelo menos desde o séc. XIV, terá sido mandada construir, no séc. XII, para defesa da reconquista Cristã do Douro, eventualmente, por alguém da família dos reconquistadores das terras à beira Douro, os “Ribadouro”, antepassados dos Senhores da Torre da Lagariça, quiçá pelo próprio D. Egas Moniz, o seu mais notável membro, que nasceu por volta de 1073 e foi Aio de D. Afonso Henriques (que, nesta região, terá passado parte da sua infância) ou por seu irmão D. Mem Moniz de Ribadouro, nascido cerca de 1075, Mordomo Mor do reino, que ao tempo, governava estas terras de Aregos.
ResponderEliminarO solar anexo à Torre da Lagariça, tem uma curiosa medieval pedra de armas, que mistura, no mesmo campo, os cinco crescentes, próprios das armas dos Pinto, com as estrelas, dos Fonseca, numa clara alusão à origem Fonseca desta Torre, fora de todas as regras da Heráldica, seguramente anteriores ao sec. XVI, altura em que aparecem os “Reis de Armas”, que garantiam o cumprimento dessas regras.
Esta pedra de armas ajuda-nos, assim, a datar o solar, ou pelo menos a sua parte mais antiga, no século XV, e não no sec. XVI ou XVII, como alguns pretendem, pois acresce que tais armas têm que ser anteriores ao 6º Senhor da Torre da Lagariça, João Pinto, nascido cerca 1486, que usou as armas, bem ordenadas, de Pinto, em pleno, com uma brica de verde com um J de ouro.
Contrariamente ao que muitos dizem, a Torre da Lagariça permaneceu sempre na mesma família durante toda a sua existência, primeiro na linhagem dos Ribadouro/Fonseca, depois, por quebra de varonia, na linhagem dos Pinto e, desde o séc.XV, também por quebra de varonia, até hoje, sempre por varonia legítima, na linhagem dos Pinto Cochofel.