quarta-feira, 12 de julho de 2017

A "Passarola" de Bartolomeu de Gusmão.

Bartolomeu Lourenço de Gusmão, SJ (Santos, Dezembro de 1685 - Toledo, 18 de Novembro de 1724), cognominado o padre voador, foi um sacerdote secular, cientista e inventor luso-brasileiro nascido na capitania de São Vicente, em Santos, na colónia portuguesa do Brasil, famoso por ter inventado o primeiro aeróstato operacional, a que chamou de "passarola".
 Bartolomeu Lourenço de Gusmão, por Benedito Calixto, em quadro de 1902
Sem nos alongarmos no percurso de sua vida ao longo de anos, para não nos afastarmos do tópico desta publicação, podemos no entanto acrescentar que em 1708, já ordenado padre, Bartolomeu embarcou mais uma vez para Portugal. Logo após sua chegada, em 1º de Dezembro matriculou-se na Faculdade de Cânones da Universidade de Coimbra. Passados alguns meses, contudo, abandonou a faculdade para instalar-se em Lisboa, aonde foi recebido com sumo agrado pelo Rei Dom João V e pela Rainha Maria Ana de Áustria, apresentado que fora aos soberanos por um dos maiores fidalgos da Corte, D. Rodrigo Anes de Sá Almeida e Menezes. Esse homem era ninguém menos que o 3º Marquês de Fontes, o mesmo que o havia recolhido à sua casa aquando da sua primeira estada em Portugal.
Na capital portuguesa o padre Bartolomeu Lourenço pediu patente ou "petição de privilégio" para um “instrumento para se andar pelo ar” – que se revelaria ser, mais tarde, o que hoje se conhece por aeróstato ou balão –, a qual foi concedida no dia 19 de Abril de 1709. O facto causou celeuma na cidade e a notícia rapidamente se espalhou para alguns reinos europeus. O invento, divulgado por meia Europa em estampas fantasiosas que, em geral, o retratavam como uma barca com formato de pássaro, ficou conhecido como “Passarola”.
 Ilustração imaginária da Passarola, em 1709
As primeiras ilustrações da Passarola haviam sido na verdade elaboradas pelo filho primogénito do 3º Marquês de Fontes, D. Joaquim Francisco de Sá Almeida e Meneses, com a conivência de Bartolomeu. O 8º Conde de Penaguião e futuro 2º Marquês de Abrantes contava 14 anos em 1709 e era, então, aluno de matemática do padre, sendo a única pessoa à qual ele permitia livre acesso ao recinto em que o engenho voador era guardado. Como o rapaz vivesse assediado por curiosos, que constantemente lhe faziam indagações acerca da invenção, resolveu ele, para deixar de ser importunado, elaborar o exótico desenho da Passarola, em que tudo era propositadamente falseado. E para preservar o verdadeiro princípio da invenção – o Princípio de Arquimedes –, atribuiu a ascensão da engenhoca ao magnetismo, que era então a resposta para quase todos os mistérios científicos. Esperava dessa maneira melhor proteger o segredo confiado à sua guarda e ludibriar os bisbilhoteiros. Comunicou o plano a Bartolomeu, que o aprovou, e fingiu deixar o desenho escapar por descuido. A Passarola, inspirada ao que parece na fauna fabulosa de algumas lendas do Brasil, acabou sendo rapidamente copiada, logo se espalhando pela Europa em várias versões, para grande riso dos dois farsantes.
Passarola Voadora do Padre Bartolomeu de Gusmão
Toda essa trama seria descoberta anos depois por um poeta italiano, Pier Jacopo Martello (1625 – 1727), e revelada por ele na edição de 1723 do livro Versi e prose, em que fazia um longo e meticuloso histórico das tentativas do homem para voar, das mais antigas às mais recentes daquele tempo.
Em Agosto, finalmente, Bartolomeu Lourenço fez perante a corte portuguesa cinco experiências com balões de pequenas dimensões construídos por ele: na primeira, realizada no dia 3 na Casa do Forte (Palácio Real), o protótipo utilizado pegou fogo antes de subir; na segunda, feita no dia 5 noutra dependência do palácio, a Casa Real, o aeróstato, provido no fundo duma tigela com álcool em combustão, se elevou a 4 metros, quando começou a arder ainda no ar, sendo imediatamente derrubado por dois serviçais armados de paus, receosos dum incêndio aos cortinados do recinto; na terceira, feita no dia 6 novamente na Casa do Forte, o balão, contendo no interior uma vela acesa, logrou fazer um voo curto, mas se queimou no pouso; na quarta, feita no dia 7 no Terreiro do Paço (hoje Praça do Comércio), o balonete elevou-se a grande altura, pousando lentamente minutos depois; na quinta, feita no dia 8 na Sala das Audiências, no interior do Palácio Real, o globo subiu até o tecto do aposento, aí se demorando, quando enfim desceu com suavidade.
Em 3 de Outubro de 1709, na ponte da Casa da Índia, o padre fez nova demonstração do invento. O aparelho utilizado era maior que os anteriores, mas ainda incapaz de carregar um homem. A experiência teve êxito absoluto: o aeróstato subiu alto, flutuou por um tempo não medido e pousou sem estrépito.

Bibliografia: 
- ARRUDÃO, Matias. Bartolomeu Lourenço de Gusmão. São Paulo: Fundação Santos Dumont, 1959. 
- ASSIS, José Eugênio de Paula. Bartolomeu Lourenço de Gusmão. São Paulo: Coleção Saraiva, 1969. 
- AZEVEDO, João Lúcio de. Novas Epanáforas. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1932. 
- CARUSO, Francisco; MARQUES, Adílio Jorge. Bartolomeu de Gusmão: Raízes de um espírito inovador incompreendido.  In: Bartolomeu Lourenço de Gusmão: o padre inventor. Volume I - Colecção Brasiliana da Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra. Rio de Janeiro: Andrea Jakobsson Estúdio, EDUERJ, 2011, v. I, p. 33-55. 
- CARVALHO, Rômulo de. História dos balões. Lisboa: Relógio d’Água, 1991.

terça-feira, 11 de julho de 2017

A Batalha de Ponte Ferreira em 1832. (Campo, Valongo)

Ponte Ferreira - Onde se deu a Batalha entre as Forças de 
D. Miguel e D. Pedro em 23-07-1832
Ponte Ferreira, sobre o rio Ferreira, que lhe confere o nome, junto a Valongo...
A Batalha de Ponte Ferreira foi um recontro entre as tropas liberais e miguelistas travado a 23 de Julho de 1832 no lugar de Ponte de Ferreira, na freguesia de Campo, concelho de Valongo no contexto do Cerco do Porto durante a Guerra Civil Portuguesa (1828-1834). O combate desenvolveu-se em torno de uma antiga ponte de granito pela qual o exército liberal pretendia realizar a travessia do rio Ferreira. O exército miguelista era constituído por cerca de 15 000 homens e o liberal por 8 000 homens, perfazendo um total de cerca de 23 000 militares em combate.
 Batalha de Ponte Ferreira. A. E. Hoffman (18??-18??)
Para além de regimentos portugueses da artilharia, infantaria e cavalaria, participaram na acção dois batalhões de mercenários ao serviço de D. Pedro IV de Portugal, um constituído por ingleses e outro por franceses.
A acção iniciou-se a 17 de Julho, quando os dois exércitos se defrontaram em pequenos recontros nos montes circundantes ao lugar e nas ruas de Valongo. No dia 22 de Julho o exército liberal recebeu ordens para atacar as forças miguelistas que se encontravam instaladas numa linha de batalha sobre montes situados adiante da povoação da Granja, na freguesia de Gandra, do outro lado do rio Ferreira, já no concelho de Paredes.
As tropas miguelistas estavam posicionadas numa extensa formação que se estendia até "Chão de Terronhas", actual lugar de Terronhas, freguesia de Recarei, concelho de Paredes. O extremo direito da linha chegava à margem esquerda do rio, em Balselhas, e era constituída pela 3.ª brigada com dois esquadrões de cavalaria e uma peça de artilharia. A força era protegida por uma íngreme colina, tendo o seu extremo esquerdo apoiado na Serra do Raio.
Entre os dois exércitos estava o rio Ferreira, o qual apenas podia ser atravessado por uma antiga ponte de granito situada no lugar de Ponte de Ferreira. Na manhã do dia 23 de Julho foi dada ordem para o exército liberal transpor a ponte. Durante mais de 12 horas, liberais e miguelistas bateram-se em torno da Ponte Ferreira, sem uma vantagem clara e definitiva de qualquer das partes, provocando grande número de mortos e de feridos nos dois lados. Esta pode contudo ser considerada uma vitória dos miguelistas, já que conseguiram fazer com que os objectivos dos liberais não fossem alcançados.

Bibliografia:
- Luz Soriano, História do Cerco do Porto
- A Voz de Ermesinde

sexta-feira, 7 de julho de 2017

Destruição de um Palacete... para Hotel, claro! (Porto)

Nas palavras do grande conhecedor da história da Invicta Germano Silva, a história deste edifício é “nebulosa”, mas sabe-se que na segunda metade do século XVIII, em 1762, pertenceu a Armando Artur Ferreira de Seabra da Mota Silva, da burguesia portuense da época.
Em meados do século XIX, o palacete secular esteve para ser expropriado pela Câmara do Porto, por alturas em que a autarquia andava a abrir a rua hoje baptizada de José Falcão.
Só não foi expropriado, porque o traçado da rua foi alterado”, conta Germano Silva, recordando que o edifício se distinguia pelos painéis de azulejos.
Em finais do século XIX, o palacete, que chegou a ser uma padaria e armazém de fazendas, pertencia a Artur Augusto de Albuquerque Seabra, professor de matemática e antigo jornalista que pertenceu à Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto.
Palacete do século XVIII

Palacete do século XVIII. Corpo total do edifício in Google Maps
 Palacete do século XVIII. Edifício completo
 O palacete, devoluto, mas ainda com todas as suas paredes e telhado in portojofotos
Recentemente foi (ou está ainda a ser) esventrado, aliás destruído na sua essência, visto do mesmo já só restar a sua fachada frontal. Todas as outras paredes de granito foram derrubadas e o seu interior desapareceu, dando, no momento exacto em que escrevemos este artigo, lugar ao um gigantesco e profundo abismo.
Destruição de um palacete
Fachada frontal. A única coisa que sobrou do palacete
  Traseira da única fachada que permaneceu de pé

 Destruição de um palacete. Uma cratera imensa no local do histórico edifício
Do palacete, restou apenas a fachada frontal voltada para o Largo Moinho de Vento
O objectivo desta, a nosso ver, abominável destruição, é criar mais um hotel de cinco estrelas, com 60 quartos, em 2019, segundo informou à comunicação social, o administrador da Vidamar, Pedro Costa.  
O novo hotel, que se vai chamar Hotel Oporto Wine & Books, vai ter seis pisos acima do solo e dois pisos abaixo da cota da soleira, e uma volumetria de 11 mil metros quadrados, lê-se no “Aviso” afixado junto à obra e cujo titular do alvará é a Worldlounge, Lda.
A constructora espanhola Sanjose foi a empresa que recebeu a adjudicação da Worldlounge Lda – Hoteis com restaurante para executar “primeira fase das obras do Hotel Oporto Wine & Books, lê-se na página da Internet daquela empresa.

Imagens:
- Google Maps
- Blogue portojofotos
- Alexandre Silva

segunda-feira, 3 de julho de 2017

Palacete Leite Pereira. (Porto) Será "salvo" pelo turismo?!?

Quem nasceu e cresceu, ou frequentou com assiduidade a cidade do Porto nas últimas décadas, não será estranho ao fenómeno do turismo explosivo, que assolou a mesma a partir de 2005/2008, pouco mais ou menos...
Um centro histórico, no qual se viam os portuenses no seu trabalho diário e que se tornava um "deserto" a partir do fim do expediente, é hoje um "enxame" de turistas estrangeiros. Alemães, Ingleses, Franceses, Chineses, Brasileiros, etc. etc. entopem a Baixa de noite e de dia.
Já correm vozes, que muito brevemente a cidade do Porto terá de tudo, menos portuenses...
Tudo tem o seu lado bom e o seu lado mau. Aqui não será excepção. O lado bom, é obviamente o lado referente à economia. Os cafés e restaurantes da Baixa do Porto, que são cada vez mais, passaram a ostentar preços para bolsos de Alemães e Ingleses, que ganham em média 5 ou 6 vezes mais que o trabalhador português. As casas antigas, ou "velhas" como preferem alguns e nas quais já ninguém podia morar, por falta de condições, estão a ser reconstruídas (umas com mais rigor histórico que outras) e transformadas em "habitação de luxo" vendidas por preços exorbitantes. Os antigos Palacetes de famílias nobres, estão a dar lugar a Hoteis de luxo, um atrás do outro...
O lado mau será o crescente e já evidente despovoamento, por parte dos seus habitantes autóctones, que não possuem possibilidades financeiras, para fazer frente aos seus "concorrentes" estrangeiros.
A cidade velha perde assim o resto dos seus habitantes e com eles as suas características próprias...
Mas, após esta ligeira reflexão, vamos ao verdadeiro item desta publicação: O Palacete Leite Pereira.
Localiza-se na antiga Rua do Olival, sitio onde em 1485, apareceu a peste e para evitar a propagação dessa terrível epidemia, o arruamento foi entaipado. Isso fez com que em 1486 se alterasse o nome para a actualmente conhecida Rua das Taipas.
 Palacete Leite Pereira na Rua das Taipas in AMP
Os Leite Pereira, Viscondes de Alcobaça, eram a família nobre, proprietária desta formidável casa e cujo brasão (ou pedra de armas) ainda se pode observar na fachada.
 Palacete Leite Pereira
 A pedra de armas na casa nº 74 da Rua das Taipas
Tendo deixado de ser residência nobre em data, que neste momento não possuímos dados para referir, o certo é que este espaço serviu posteriormente de sede ao Clube Inglês. Funcionou ainda como uma drogaria durante largos anos.
O Palacete nestes últimos anos... ou décadas
Nos últimos anos o Palacete tem estado neste crescente estado de degradação... será também "salvo" pelo turismo? Se for o caso esperemos que o "salvamento", seja feito de forma mais digna, que outros que temos observado. Edifícios magníficos, onde são derrubadas todas as paredes antigas de pedra (e substituídas por outras de betão) ficando do edifício original, apenas a fachada frontal. 
Exemplos? Passeiem pelo Largo Moinho de Vento, ou pela Rua de Sá Noronha...


Imagens: 
- Arquivo Histórico Municipal do Porto 
- Google Maps