Os valores exactos sobre o número total de vítimas mortais causadas pela gripe pneumónica de 1918-19, é absolutamente desconhecido. Ninguém pode apresentar um número com exactidão.
Os eruditos mais clássicos e talvez mais optimistas, têm defendido que a estimativa mais baixa será de 21 milhões de mortos, entre 1918 e 1919. Isto numa população mundial de quase 2 mil milhões, naquela altura. Outros estudos mais recentes feitos por epidemiologistas defendem no entanto que a pneumónica matou, pelo menos, 50 milhões de pessoas, aproximando-se talvez até do dobro, ou seja dos 100 milhões. A ser verdade, no período de pouco mais de um ano, a pandemia gripal matou mais pessoas do que a famigerada "Peste Negra" no período de um século e do que a Primeira Guerra Mundial (Cerca de 8 milhões de mortes, entre 1914 e 1918). Em Portugal também não existe um número exacto de vítimas. 50.000 ou 60.000 mortos, são os valores mais defendidos. Temos de ter em conta que a maioria dos países, não possuía ainda recenseamentos populacionais e existe ainda a agravante de muitos casos terem sido mal diagnosticados...
Em final de Setembro de 1918, segundo relatos da época, na cidade de Lisboa e nos arredores da capital, as escolas estavam fechadas e sem previsão de abertura do ano lectivo, estavam também proibidas feiras e romarias.
Muitos dos estabelecimentos mantinham as suas portas trancadas ao público.
Nos mercados da altura escasseavam bens alimentares de primeira necessidade como o pão, a carne e o leite, que aumentara consideravelmente de preço. As ruas estavam quase desertas e os eléctricos passavam com as cortinas e as portinholas sempre fechadas.
Na Junqueira, as pessoas aguardam a abertura do armazém regulador de preços a cargo da Assistência 5 de Dezembro, em 1918. Cliché de Joshua Benoliel in Arquivo Municipal de Lisboa
Thomaz de Mello Breyner, 4º conde de Mafra, médico no Hospital de São José, escreveu no seu diário pessoal:
"19 de Outubro: "Fui ao Hospital e lá tive a certeza de que a epidemia de gripe pneumónica continua assustadora. Em média entram 100 doentes nos hospitais e morrem 30 a 40! Acabou-se em Lisboa o pano especial de cobrir caixões! Todas as flores da Praça são para os mortos."
"21 de Outubro: A mortalidade é medonha. Acabou-se o pano para forrar caixões, acabaram-se as flores no mercado, há enterros toda a noite!! Nem a peste grande 1569 foi assim!!!"
De facto, a situação atingiu tal magnitude que, em apenas um dia, realizaram-se 250 enterros; descobriram-se famílias inteiras mortas nas suas casas e a Direcção-Geral dos Hospitais Civis de Lisboa solicitou à Câmara Municipal para que abrisse uma vala comum no cemitério dos Prazeres.
Ambulância da Cruz Vermelha. Cliché de Joshua Benoliel in Arquivo Municipal de Lisboa
Pneumónica
Conselhos ao Povo
Hilda Ophélia Paz dos Reis, filha de Aurélio da Paz dos Reis, seria também vítima da gripe. Aurélio nunca aceitaria a morte da filha de quem muito gostava. Hilda Paz dos Reis, na Praça de D. Pedro, c.1909
Segundo o professor de medicina Joaquim Alberto Pires de Lima, a quem a segunda vaga da epidemia apanhou no Vale do Ave, uma zona simultaneamente agrícola e altamente industrializada, não existiam dúvidas de que os mais afectados pela epidemia eram os que viviam em piores condições (Lima 1918). E o médico Costa Maia manifestou a sua concordância com esta posição na sua dissertação, ao afirmar que, “sem querer contestar a veracidade desta afirmação do ilustre professor” [Almeida Garrett], corrobora Pires de Lima ao sublinhar a importância das habitações sem condições higiénicas, insinuando que estas seriam os focos de onde as infecções irradiariam “unindo depois pobre e rico numa solidariedade fatal” (Maia 1920). Aliás, cita, em conclusão desta abordagem, o testemunho da mais importante autoridade médica em matéria de epidemias, Ricardo Jorge, que dirigiu o combate à pandemia de 1918-19 em Portugal. Na opinião deste, o seu impacto foi maior sobre os mais pobres. Escreveu mesmo a este respeito numa obra coetânea em que procura fazer a síntese da pandemia: “Se todas as classes pagaram o seu tributo, ele pesou mais pesadamente sobre os mais humildes: os horrores da epidemia juntaram-se aos da miséria” (Jorge 1919, 25).
Viatura dos Bombeiros Voluntários Lisbonenses
Passado o período mais dramático, que ocorreu em Outubro, a epidemia foi-se atenuando e lentamente se desvanecendo ao longo do mês de Novembro.
Bibliografia:
-José Manuel Sobral e Maria Luísa Lima, « A epidemia da pneumónica em Portugal no seu tempo histórico », Ler História, 73 | 2018, 45-66.-
- Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa
- Diário de Notícias
- Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa
- Diário de Notícias
- Biblioteca Municipal do Porto
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