Convento da Nossa Senhora da Misericórdia. (Aveiro)

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Diz o cronista da Ordem, Frei Luís de Sousa, que a fundação deste mosteiro se ficou a dever a uma milagrosa aparição da Virgem Maria ao velho Afonso Domingues sobre um dos bastiões da muralha; para comemorar o facto, o Infante D. Pedro, amigo sincero dos domínicos e muito devoto de Nossa Senhora do Pranto, da Piedade ou da Misericórdia, alcançou do Papa Martinho V, a 19 de Fevereiro de 1423 — pouco antes da largada para as «Sete Partidas» — um Breve pelo qual lhe era facultado estabelecer em Aveiro um convento para a Ordem. Efectivamente, a 23 de Maio, lançava-se a primeira pedra do edifício que se tornou digno do seu fundador; foi-lhe dado por orago Nossa Senhora da Misericórdia, que tinha por capela a primeira à esquerda de quem entra na igreja.

Depois de 1834, o mosteiro ficou sendo quartel que, em virtude do incêndio que o devorou a 18 de Outubro de 1843, passou para o convento de Santo António. Num recanto da cerca, entregue à Câmara Municipal, construiu-se o cemitério central, inaugurado a 12 de Novembro de 1835, em cuja capela, benzida a 10 de Novembro de 1839, é venerada uma imagem de Cristo Crucificado, que era da sala do capítulo.
O resto da cerca foi primeiramente arrendado e posteriormente vendido em arrematação pública de 9 de Maio de 1868.
Em 1865, o Município fez reparos na sala da biblioteca e aí estabeleceu a aula de instrução primária do sexo masculino da Glória e uma nocturna para operários e serviçais.
Em Março desse ano, caiu quase toda a parte do edifício a norte da referida sala e, em 1867, ruiu a parte mais alta da zona queimada; em Outubro de 1868, estando tudo vendido, deixou de aí funcionar a escola; em 1872 foram demolidos os restos ardidos, em 1888 o claustro e dependências e, em 1900, a sala da farmácia e outros anexos. Hoje pouco existe do convento.
A igreja, à esquerda do mosteiro, reformada em várias épocas, é de sólida construção mas de planta singela. Na capela-mor, do lado do Evangelho, encontra-se um túmulo de granito sobre o qual campeia o brasão da Casa dos Sousas — que também se vê no arco-cruzeiro; aí estão as cinzas de D. Catarina de Ataíde, filha de Álvaro de Sousa e de D. Filipa de Ataíde, segundo a inscrição sepulcral. Parece que o templo foi sagrado por D. Jorge de Almeida, Bispo de Coimbra desde 1483 até 1543; a fachada é de 1719 e a torre é moderna, inaugurada — como vimos — em 1862, embora datada de 1869; o vasto altar-mor e a sua tribuna, da segunda metade do século XVIII, pertenceram à antiga igreja da Vera-Cruz.
Encontram-se ainda na capela-mor duas ordens de cadeiras, havendo vinte e duas em cima e dezasseis em baixo; os espaldares dividem-se em cinco panos de cada lado e um menor de canto, cada qual com duas telas; estas são da primeira metade de século XVIII, de artista que desenhava bem sobre gravuras ou modelos.
Conforme diz A. Nogueira Gonçalves, «são obras muito graciosas e dignas de cuidados» e constituem «a melhor pintura deste tempo, que se vê na Cidade»; representam oito figuras femininas e catorze masculinas, todas do hagiológio dominicano.
A igreja de S. Domingos, escapando às chamas de 1843, continua a ser a paroquial da Glória desde 1835 e hoje, na Diocese restaurada, é provisoriamente a Sé.
No adro, encontra-se um cruzeiro gótico-manuelino, proveniente de oficina coimbrã do final do século XV; na coluna assentam as representações dos Evangelistas e diversas cenas da Paixão; a imagem do Crucificado é de aparência dura.

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