A Quinta de Santo Ovídio - Cidade do Porto.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

 «Após cinco meses de noivado casaram-se Eça de Queirós e D. Emília de Castro Pamplona (Resende), no dia 10 de Fevereiro de 1886, no Oratório particular da Quinta de Santo Ovídio no Porto, pertencente à família da noiva, já desaparecido em virtude da abertura da rua Álvares Cabral, que liga a rua da Cedofeita ao Campo Mártires da Pátria.»
Nas imagens (óleo sobre tela), vemos o aspecto original que possuía o Palácio dos Figueiroas, bem como os respectivos jardins que integravam a propriedade, nessa altura localizada numa zona fortemente rural. 
A actual Praça da República.... Principiava aqui a Quinta dos viscondes de Beire. Em 1865 ocupava uma vastíssima área que ia até à Rua de Cedofeita.
Primitivamente era conhecida pela denominação de Quinta da Boavista. Pertenceu ao desembargador João Carneiro de Morais que nela mandou construir uma capela dedicada a S. Bento e Santo Ovídio. Templo há muito desaparecido.
Os herdeiros venderam a Quinta, na segunda metade do século XVIII, a Manuel de Figueiroa, contador da Fazenda Real. A Travessa da Figueiroa existe em memória deste fidalgo. 
A casa da Quinta, o Palácio de Santo Ovídio, foi edificada no século XVIII, para a família Figueiroa, na qual se destacou o Dr. Francisco de Figueiroa, que desempenhou as funções de membro do Conselho de D. João V e reitor da Universidade de Coimbra. Por sucessivas alianças matrimoniais e sucessões, a propriedade chegou à posse, já no século XIX, da Condessa de Resende, cuja filha Emília de Castro viria a casar com Eça de Queirós
A Quinta passou depois do Figueiroa para o visconde de Beire e pelo casamento de Maria Balbina Pamplona Carneiro Rangel Veloso Barreto Figueiredo com o quarto conde de Resende, António Benedito de Castro, entrou na posse desta família.
Os condes de Resende foram os sogros de Eça de Queiroz. O escritor casou, no dia 10 de Fevereiro de 1886, na capela da Quinta, com D. Emília de Castro Pamplona, filha dos condes de Resende.
Emília de Castro - c. 1880
Fotog., Emilio Biel & Cª, Porto c. 1880
"Foi Santo Ovídio e a sua paz de convento, que a fez assim quiet and composed."
Carta a Emília de Castro, 18 Out. 1885

Vista parcial do Solar da Quinta de Santo Ovidio, no Porto, onde 
o Escritor Eça de Queirós, casou em 1886
A Quinta era enorme, povoada de nobre e secular arvoredo. Terminava em amplo portão armoriado onde hoje está o entroncamento das ruas de Álvares Cabral, Cedofeita e travessa da Figueiroa. Os condes de Resende, num gesto fidalgo, franqueavam, aos domingos e feriados, os jardins da sua Quinta ao público. A vasta e linda propriedade foi retalhada para a abertura da Rua de Alvares Cabral.
Quinta e Palácio de Santo Ovídio (Séc. XIX), Des., Joaquim Cardoso, In Edifícios do Porto em 1833. Álbum de desenhos, Porto 1987
Clique na imagem para a ampliar
Nas plantas que se seguem podemos ter uma ideia mais exacta da localização da quinta em relação à praça de St.º Ovídio (actual praça da República).  É notório também nestas plantas, a presença do projecto inicial de abertura da futura rua de Álvares Cabral que acabou por condenar a propriedade, bem como a casa senhorial.
Chame-se a atenção particular para o facto de, nestas plantas, a nova rua a abrir, ficar no seguimento da rua Gonçalo Cristóvão, não tendo sido aberta aí devido a interesses do proprietários.
Vista da cidade do Porto, tomada do mirante da casa do Ilustríssimo Senhor José Pedro de Barros Lima, na Ramada Alta. Desenho e Litografia de Cesário Augusto Pinto de Araújo Cardoso de Mendonça. Lisboa 1850
Planta da Quinta de St.º Ovídio em 1892 - Teles Ferreira
Pormenor extraído do blogue "Do Porto e não só"
Eça só regressaria àquela propriedade em 1890, quando já se encontrava a viver em Paris, por motivo da morte da condessa de Resende, e a fim de tratar das partilhas familiares. Para além do natural constrangimento da situação, Eça de Queirós não terá também guardado uma imagem muito favorável daqueles momentos, pois para sua estupefacção deparou com o arquivo histórico da família quase inteiramente destruído. Em carta a sua mulher, referia: "Tratava-se de preciosos pergaminhos, um com a assinatura de D. João II, outro (este comoveu-me) com a assinatura de D. Sebastião, poucos dias talvez antes de partir para Alcácer-Quibir e que estavam ambos, como muitos outros, amarfanhados a um canto do sobrado, entre caliça, teias de aranha, terra e 'fófó'". O Palácio e a Quinta de Santo Ovídio também não conheceram melhor sorte que a daquela documentação. Pouco tempo depois, o então Conde de Resende - cuja incúria em relação à salvaguarda dos pergaminhos tanto escandalizara o escritor - tratou de promover o parcelamento da Quinta, abrindo-se a meio dela uma nova rua, que se projectara a fim de dar seguimento à de Gonçalo Cristóvão, que na altura veio a ser denominada dos Pamplonas (ascendentes dos Resende) e que hoje em dia constitui a Rua de Álvares Cabral.
Na imagem de baixo: O Palacete (fachada posterior) nas vésperas da sua demolição, estando já a ser aberta a rua de Álvares Cabral
Numa carta, escrita em 1895 por Eça de Queirós, à sua esposa D. Emília de Castro, podemos ter uma ideia da polémica que se gerou sobre a destruição da Quinta de Santo Ovídio e seu Solar:
[…] Estive em St.º Ovídio. Ainda bem que não vieste – pois que a mim próprio me fez uma muito viva impressão, aquele quase desaparecimento do velho St.º Ovídio. A casa ainda está de pé, ainda vestida com as suas trepadeiras. Mas dentro é um deserto. O Manuel e a Maria vivem na […] sala do fogão, tendo quase por único móvel a cama. […] De facto a única compensação à tristeza daquele fim de casa é o óptimo humor do Manuel, que rejuvenesceu, que está forte e todo e absolutamente enfronhado na sua rua. […]

MATOS, A Campos – Eça de Queiroz Emília de Castro – correspondência epistolar. Lello & Irmão – Editores, 1995, p. 448

Fontes:
- AMP
- Biblioteca Nacional
- Casa do Infante
- Jornal Público

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