A Cruz do Senhor da Pedra Fria (Porto).

terça-feira, 8 de julho de 2025

No ermo Campo das Malvas, nasceu um símbolo de piedade e temor.

Antes da imponência barroca da Torre dos Clérigos, o local era um campo silencioso e sombrio, conhecido como Campo das Malvas. Fora das muralhas da cidade, o lugar servia como cemitério dos indesejados — salteadores, condenados e criminosos que, por suas acções, não tinham direito a repousar em solo sagrado.

Mas mesmo esses homens esquecidos eram, aos olhos do povo, filhos de Deus. E foi essa piedade simples e comovente que levou à erecção de um cruzeiro de pedra, conhecido como a Cruz do Senhor da Pedra Fria. No cruzeiro, uma imagem de Cristo pintada evocava redenção e esperança. E por cima dela, um lampião de ferro sustentava uma lamparina de purgueira, alimentada por azeite — cuja luz fraca, oscilante, lançava sombras espectrais e criava uma atmosfera fantasmagórica, que muitos descreviam como tenebrosa.

Cruz do Senhor da Pedra Fria, no Campo das Malvas (imagem fictícia)

Hoje, essa cruz sobrevive — não já ao ar livre, mas resguardada no Museu do Cristo, no interior da igreja dos Clérigos. Uma memória de pedra, luz e compaixão que antecede e funda espiritualmente o local onde a torre ergueu o céu.

Cruz do Senhor da Pedra Fria. Imagem actual 

Torre dos Clérigos

Fundada em 1707, a Irmandade dos Clérigos Pobres determinou, em nome do culto e da dignificação do estado clerical, a edificação de um templo próprio na cidade do Porto. A construção da igreja teve início em 1732, sob risco e direcção do arquitecto italiano Nicolau Nasoni, figura central do barroco nortenho. O templo, de planta elíptica — solução inovadora no contexto arquitectónico português —, foi concluído em 1749, ano em que se celebrou a sua solene inauguração a 28 de Julho.

A monumental torre sineira, que viria a distinguir-se como marco icónico da cidade, começou a erguer-se em 1754 e ficou concluída em 1763. Com 75,6 metros de altura, a Torre dos Clérigos constituía, à época, o edifício mais alto do país, exercendo simultaneamente funções litúrgicas, urbanísticas e simbólicas.

Nicolau Nasoni, responsável integral pelo projecto arquitectónico, viria a falecer em 1773, tendo sido sepultado, por expressa vontade, na capela-mor da igreja que concebera. A Igreja e Torre dos Clérigos perduram, assim, como expressão maior do barroco português e testemunho perene do engenho e da fé de uma irmandade devota.

Imagens:
- Blogue MONUMENTOS DESAPARECIDOS 
- Foto Beleza 


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