Não sendo um monumento desaparecido, este Mosteiro felizmente é um exemplo de resistência ao tempo e da preocupação que existiu em recuperar e manter o nosso património mais valioso.
Vista panorâmica do Mosteiro de Cárquere, c.1931
Vista geral da fachada setentrional da Igreja Paroquial de Cárquere, c.1931
Cárquere em 1957
Vista geral da fachada setentrional da Igreja Paroquial de Cárquere, c.1931
Cárquere em 1957
Edificado na encosta norte do maciço da serra de Montemuro, quase à vista do Douro, o complexo monástico de Cárquere notabiliza-se não apenas pelo conjunto arquitectónico e artístico, mas pela profunda ligação aos primeiros anos da nacionalidade.
Considerado, primeiramente, o local onde o pequeno infante Afonso Henriques se curara a pedido do seu aio Egas Moniz pela intercessão da Virgem Maria, constituiu mais tarde o panteão da poderosa família dos Resendes, até à sua dispersão, nos finais do século XV.
As lendas urdidas pelos cónegos regrantes que aqui governaram no espiritual e no temporal até ao século XVI faziam parte de uma estratégia de consolidação e promoção que notabilizasse um património naturalmente apoiado por um extenso conjunto de bens fundiários e contributivos, numa vasta região a sul do Douro. E foram as riquezas que falaram mais alto quando coube reformar o Mosteiro, entregue no século XV a alguns eclesiásticos menos cientes das suas funções.
A chegada dos jesuítas, no século XVI, determinou um novo fôlego na ampliação e consolidação do domínio em Cárquere.
O Mosteiro num BPI não datado (anos 80?)
Deste instituto partiu a missionação e a evangelização que ajudou a formar o muito afamado santuário da Senhora da Lapa, a sudeste, nos confins dos planaltos da Nave.
A posse de Cárquere foi pacífica até ao século XVIII, quando a perseguição aos jesuítas pelo marquês de Pombal atingiu esta pequena comunidade.
Este percurso, não obstante as vicissitudes dos homens e a sua cobiça, ficou de certa forma registado nos espaços e nos elementos artísticos que definem o actual conjunto.
Embora do período românico os vestígios - contemporâneos do tempo de Egas Moniz e Afonso Henriques - sejam pouco expressivos são, no entanto, dignos de registo a fresta da capela familiar dos Resendes e a torre, hoje imersa no conjunto, mas que teria estado destacada do edifício eclesial e anexos.
No que concerne à fresta da parede testeira do panteão dos Resendes deve-se destacar que surge ornamentada de ambos os lados. Se no interior prevalece uma linguagem geométrica, não obstante o desalinhamento que se sente ao nível da composição das aduelas, é numa das arquivoltas do exterior que surge um dos seus elementos mais originais, as chamadas beak-heads, motivo de importação anglo-saxónica e que se caracteriza pela concepção, em cada uma das aduelas, de animais unifrontados carregados de grafismo.
Nos capitéis optaram pela representação de aves, ora com pescoços enlaçados, ora sozinha, com as asas abertas.
Em relação à torre, fundada sobre afloramento granítico, de natureza defensiva e senhorial, poderá ter sido edificada na mesma ocasião do conjunto monástico e que alguns autores colocam no último quartel do século XII ou já no XIII.
No Mosteiro, a distribuição dos espaços, quer dentro da Igreja, quer exteriormente ao nível do atual cemitério (antigo claustro), denuncia a espacialidade românica. Todavia aquilo que ainda hoje podemos apreciar quando entramos na Igreja é fruto de uma apropriação manuelina da fábrica românica primitiva, pontilhada por prévias intervenções góticas, de que é expressão maior a cabeceira, com sua abóbada nervurada e janela mainelada, apenas visível a partir do exterior.
Da época manuelina destaca-se o portal principal e o lateral norte. As pinturas murais preservadas (sob retábulos-colaterais de correr) contêm do lado da Epístola uma representação de Santo António e Santa Luzia e, no lado oposto, um conjunto de anjos esvoaçantes.
Da medievalidade são ainda as imagens da Virgem de Cárquere e do Leite. A primeira tem despertado a curiosidade dos devotos pelas suas dimensões e, sobretudo, por ligar-se-lhe a já referida lenda.
A Época Moderna, coincidente com a presença jesuítica, trouxe consigo a reforma e sobretudo o barroco, de que salientaríamos o trabalho dos altares maior, lateral e o de São Sebastião (actualmente exposto na sacristia), todos integrados no período nacional.
O declínio de Cárquere começou em meados do século XVIII. Esvaziado dos seus guardiões e exposto o seu património à cobiça, viu-se reduzido à condição de igreja paroquial. Ao longo do século XIX a crescente secularização e laicismo da sociedade ditaram que muito do património religioso fosse alienado ou decaísse em ruínas.
Nesta imagem, vemos um pormenor, que seria alterado nas grande obras de restauro realizadas pelo Estado Novo
O telheiro, bem como a coluna em granito que o sustenta, seria retirado desta entrada da igreja
Fachada principal da Igreja Paroquial de Cárquere, c.1931
O século XX, pela mão de alguns investigadores e do crescente nacionalismo que buscava na história e no património os símbolos para reabilitar a nação e o novo regime republicano, olharam para Cárquere com a atenção devida a um dos legendários esteios da nossa nacionalidade.
Na imagem de baixo, constatamos que a coluna de sustentação foi removida, pois não integrava a estrutura original
O conjunto remanescente do Mosteiro de Santa Maria de Cárquere tem sido alvo de diversas intervenções de conservação desde 1950, tendo as mais importantes sido realizadas pelo Estado Novo.
Vista geral do Mosteiro de Santa Maria de Cárquere durante as obras de restauro realizadas pelo Estado Novo
Bibliografia:
- Rota do Românico
Imagens:
- AHMP
- Arquivos SIPA
- BPI (digitalização)
- Autores desconhecidos